quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

O galego.

Um passo rápido me mantinha ereta para atravessar a rua e chegar à calçada.
A companhia era agradável de alguem que compartilha comigo as delicias e dores a convivencia, da divisão de espaço, sala, banheiro, contas de luz e sem contas de telefone.
O assunto? Algo trivial, como entender onde era o mercado que já ouvira falar. Por onde pisar pra nao encostar nos cocôs de cachorro pelo chão. Nesses olhares pro chão os encontrei.
Eram olhos de diamante, da cor do mar quando 14 bis o canta. Cabelos louros, pele morena de sol.
Jovem.
Muito jovem.
Estava sentado na sarjeta olhando pro horizonte que parecia existir pra ele naquele momento.
Olhar de horizonte. Belo.
Cruzamos os olhares e desviamos.
Olhei de novo.
As roupas em farrapos.
Trapos.
Não sabia a cor, já que tudo estava em tons de marrom e cinza.
Quem era aquele homem? O que teus olhos miravam?
Mil pessoas passavam por ele e desapercebiam-no.
Imagino que ninguém conheceria sua narrativa e quem sabe, isso não aconteça nunca.

às vezes nos permitimos apenas ver, nos afetar, gerar encontros silenciosos, mas não sair disso.

sábado, 13 de novembro de 2010

aquele do toldo azul.

Mal chegara no ponto de onibus estava ali, sonhando debaixo do cobertor preto e vermelho que já parecia úmido da garoa mareada.
Um tempo depois, acordou. Levantou a cabeça, como quem está vendo mas não está enxergando, nem a rua, nem as pessoas, nem o movimento. Passeo como se fingisse não vê-lo, mas não consegui disfarçar.
Os olhos se cruzaram, e logo desviaram para não serem notados. Mas foram.
Percebi que me observava, em meio às tosses que pareciam cuspir a alma. Não se importava me tossir alto, em gritar que estava ali, era o seu jeito de se fazer notar.
Voltou a se deitar. E eu, procurando o coletivo que ja se demorava. Procurava sabendo que queria ficar ali mais um pouco. E aí, lembrei-me que guardava 2 pães na mochila ja estufada. Na hora de comprar, um a mais, que nunca havia comprado. Parecia que alguem sabia que ele iria saciar outras fomes. Pensei em oferece-lo. Não pela fome que parecia atordoa-lo, mas pela janela que se abriria para um encontro. Ensaiei. Me demorei. Peguei o saco. Mantive fechado, segurando o cheiro de massa fresca ali dentro.
Ele tossia. Deitara-se de novo. Após um respiro profundo, e olhos semiabertos para chegar mais perto, vozes altas cortaram o fluxo.
Dois homens chegaram falando alto, soltando fumaça pela boca. Falavam de trabalho e casa. Não pareciam companheiros da rua.
Não larguei o saco de pão. não larguei a ideia de compartilhar substancia de vida. Mas as pernas nao saíam do lugar. Os afetos circulavam no peito, fazia força pra sair, mas nao encontraram saída, nem criaram passagem. O letreiro iluminava meus olhos fracos pela imobilidade.
Cada vez mais. Cada vez mais perto. Levantei os braços. enquanto segurava a mala, o saco de pão, o cheiro, a palavra, o encontro, o fracasso por nao ter compartilhado nada além de incomodos e breves olhares.

às vezes a indiferença é intensidade disfarçada.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

ocividade.

Em vez de acordar cedo, levanta o corpo depois da hora marcada.
A música do primeiro cumprimento do dia nao tocou hoje, e o sonho quis um tempo maior para correr atras do prejuízo...
Nunca tinha prestado atenção nos ponteiros do relogio da cozinha, como eram ligeiros.
Os afazeres estavam se acumulando ao mesmo tempo em que iam com a descarga que ouvira logo de manhã.
O ócio voltava a fazer parte dela, e isso muito incomodava.
Nada fazia com que ele fosse criativo, pelo contrario...se repetia, repetia, repetia, e paralisava a ação.
Os ponteiros nao só era ligeiros, como em alguns momentos esperniavam!! Falavam alto demais, atrapalhava os momentos de nao fazer nada.

Era um jeito de suportar alguma coisa que doía.
Ao mesmo tempo em que nao se suportava o ócio.
Isso sim é que é uma produção social da não atividade, o sentimento descpnfrtavel que gera a impressao de inutilidade...inutil pois nao trabalha, nao há produto no final do processo, não há material objetivo, nem subjetivo.

"O que fizeste nos ultimos 6 dias?"
"Não sei...não me lembro"

A memória começa a se aliar ao negócio.
E então, tudo parece se aliar ao negocio... o tempo, os ponteiros, a culpa, a angustia, a memoria, o riso, a inspiração, a criatividade, a vida.

E como ela vive? Se tudo parece ser engolido desenfreadamente pela atividade incessante?
Se a solidão não cria mais sensação de auto-conhecimento? Se os sonhos parecem ficar presos à noite escura, e desaparecem do mundo quando esta acordada?

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

lá do alto.

Do alto do morro havia alguém.
Observava tudo com seus olhos de águia...deixava-se ventaniar pelo ar fresco e quente que fazia ali em cima. Deixava queimar pelo sol que vinha direto e reto arder a pele clara, e ja queimada.
Do alto, havia alguém que via todos os meus passos... e cantava uma musica para cada esvoaçar de pano de saia.
Que por hora, ficava em silencio e quieto enquanto me descabelava com as coisas da vida, do céu, do agito do mar no dia em que queria uma calmaria, sem ondas...
Eu sentia que às vezes, soprava um reconforto em meus ouvidos... "você sabe aonde ir"...
E no fundo, eu sempre me lembrava...
Hoje me sussurrou algo que nao entendi... e passei o dia pensando, pensando, pensando...tentar decodificar algum simbolo sonoro..e nada me vinha à mente...
àsvezes acho que nao é palavra.
é afeto que me diz.
Mas como se sussurra afeto ao pé do ouvido sem palavras?
como se sussurra afeto pro mundo, sem precisar ser compreendido e simplesmente sentido?

às vezes a angústia é querer ficar achando nome pro vento que faz evoaçar a barra da saia.
Mas ele nao tem nome, nem direção.
É vento.
É gente.
É alguém e alguéns.
Que me olha lá de cima. silencia por muitos dias seguidos, e de repente canta coisas bonitas que às vezes só eu posso escutar.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

os olhos molhados de brilho fraco...

dentro de um coletivo...
Os olhos daquele homem grisalho passeavam pelas imagens e cenas cotidianas que ficavam pra tras e por detras dos vidros da janela...
Eram olhos de quem parece ver aquele angula pela primeira vez...
De quem esta cansado e esgotado...
Uma blusa preta esquentava seu corpo, e botas pretas e grossas, os pés..
Havia um silencio no seu habitar o espaço...enquanto que homens outros faziam ruidos, com uniformes de quem esta pronto para a labuta...
Aquele nao estava...
Estava esgotado e pelo mesmo motivo, cheio de vida...cheio de fluxos...
Como fazer os fluxos pulsarem?
Fiquei de frente pra sua nuca...e apenas via os movimentos que a cabeça fazia quase ao entortar o pescoço e olhar as tais cenas que ficavam pra tras...
Os olhos molhados...
Um brilho fraco...
O corpo sereno e esgotado...
Nao estava estendido no chão, seu Chico... Mas estava estirado de pé... parecia estar com mortes de gota em gota...
Deram o sinal de parada...o som do grito de quem quer descer...
O homem se levantou, calmamente...Movimentos leves faziam-no virar de frente para mim, de costas para o motorista...
De frente...sua roupa brilhavam mais que os olhos...
Era laranja ardido...para nao perde-lo de vista..Parecia uma marca, um radar...
O corpo estava preso dentro daquele macacao...as juntas, as articulações conheciam agora um so movimento...
Era um olhar longe...livre...que voava, mas rebatia-se dentro da roupa...
E com suas limitações de sonhos, la se foi o homem dos olhos molhados de brilho fraco...
Foi esgotado...caminhando em direção ao campo de concentração de energias e forças de vida, que ficam estreitas de tanto serem estranguladas pelo tempo...

domingo, 7 de fevereiro de 2010

.o que se deixa pra trás?

Deixar pra trás um sonho é uma das coisas mais difíceis dessa vida.
Você caminha, caminha...cada passo um ar que agrada, outros nem tanto. Mas tudo faz a vida ser viva..cada olhar, pedido, discussao, ligação, conversas, leituras, encontros, arte, grupos, solidão, amor, paixão, música, instrumento...
O que fazer quando resta o amor puro, mas se deve deixar pra tras? Não o amor...este permanece pro resto da vida, faz parte de como eu vejo, ouço e toco o mundo.
Mas é isso mesmo... cada vez percebo mais o movimento do poente. Da beleza unica que fica pelo tempo que precisa... não podemos parar o sol para que ele fique mais um pouco beijando o mar...
ele não fica...simplesmente vai...nos deixa pra trás...
é o seu encontro e sua despedida...
umas mais doloridas que outras...confesso.

Esta manhã senti um vazio enquanto dizia "não posso mais ficar...", fez sol...estava disposta a ir e tocar todas as musicas que viessem por 3 horas...
Mas eu precisei ir embora...

e fui.
Fica o vazio. A dúvida. O olhar de horizonte que vai longe, longe...
um nó na garganta...não pela rigidez de nunca mais poder tocar, mas pela decisão de ter que deixar algo pra trás para que outras coisas possam se realizar.

O que deixamos em nossas vidas?
encontros...de todas as maneiras e formas...
E será que é atrás?
Talvez possamos deixar pra frente. Mas não pro agora.
E o que fica pra frente, automaticamente, fica pra tras....

é.
Fiquemos assim... pois cada escolha dessa faz abrir e clarear a vida.
E novos encontros virão.




*hoje deixei de tocar violoncelo na orquestra de São Bernardo.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

.a tal da fronha.

"Deite-me no chão! E assim, refresco minha nuca desse calor infernal que acontece por aqui..."

É talvez um jeito estranho para refrescar-se...não digo nada, já que as fronhas de cetim são a melhor pedida nesses dias de sol... quando um lado esquenta, o outro está frio...pronto pra servir de consolo no meio da noite...
outro pano qualquer nao traria tamanho acolhimento para quem dorme sozinho num quarto que faz barulho...
É lisa..e pede que as unhas fiquem ali passando de um lado a outro sentindo a textura...
desde pequena gostava de sentir a textura das coisas... sim, um lado pouco desenvolvido para além dos limites da fronha de cetim...
Mas essa coisa dos lados...
Um frio, o outro quente...é tão interessante que você já sabe o que esta por vir, mas sempre se surpreende com a sensação...
Talvez o gosto seja pela surpresa...não pelo frio...mesmo que este seja a grande sensação causadora...
talvez seja o gosto pelo acolhimento que dá...
surpresa pelo acolhimento?

É...me parece uma discussão bastante contemporânea...

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

uma vila...

Era como uma cidade afastada...
Havia árvores, campos de futebol, casas comunitárias que lembravam chalés, piscina...
Pessoas que nunca tinha visto. Mas que pareciam ser conhecidas...Jogávamos tranca, quando achavam o baralho. Ao tocar no baralho da casa, alguns ja alertavam: "cuidado, este não pode pegar!"
E eu pensava, "mas quem são eles?" Nunca apareciam....
De repente foram chegando familiares e amigos, que ficaram lá um tempo...mas logo se foram...
E eu ainda me perguntava: "onde estou?"
Sobrou eu e minha irmã, em meio à outras mulheres vestidas de biquinis e maiôs...e alguns homens...que iam chegando aos poucos...
Desses novos eu me aproximei...ninguem falava com eles... puxamos o papo do baralho quando nos disseram que os donos nao gostavam que pegasse o baralho deles.
Olhamo-nos nos olhos um do outro, com a mesma interrogação no rosto! E aí me conectei a ele.
Buscava outros olhares assim, encontrei mais um.
Nao sei seus nomes...mas ficamos proximos...e era isso que importava.
Numa noite, a névoa abaixou...eu ja estava acostumada ao lugar e algumas regras que vinham sabe-se lá de onde!
Olhei o campo, em que estavam os meninos jogando bola (considerando senhores tb)....
Eles estavam lá, certamente.... E caminhei, no escuro, até o campo....
Vi um jogo estranho, em que algun senhores de cadeira de rodas entravam no meio do jogo....um deles era parecido com Robin Wilians...empurrei sua cadeira, e puxei conversa...
Mas em portugues nao fluia muito...arrisquei meu ingles mal acabado...
E ele se assustou que havia alguem na "vila" se assim pode-se dizer, que falava ingles...
Paramos assim que encontrei os meninos sentados embaixo da arvore,proxima ao campo...
eles estavam tristes...me aproximei...
o de cabelos compridos me olhou...sério... e disse "eu estava passando na sala...estava tendo uma reuniao nao sei com quem...diziam que queriam levar alguns de nós aos nazistas...depois pensaram, e ao inves disso, cortariam nossos cabelos, pra ver todas as marcas que temos no corpo..."
Me assustei...e nesse momento, chegaram dois homens, jovens ainda...com um riso de quem sabe quem vai morrer e esta gostando...
Eles sabiam que tinhamos percebido...e achavam que nao havia nada a fazer...
Lá eu sabia onde estava, e que o que fazer...
quando abri os olhos, so me vinham essas lembranças... e a sensação de que eu era duas...