sábado, 13 de novembro de 2010

aquele do toldo azul.

Mal chegara no ponto de onibus estava ali, sonhando debaixo do cobertor preto e vermelho que já parecia úmido da garoa mareada.
Um tempo depois, acordou. Levantou a cabeça, como quem está vendo mas não está enxergando, nem a rua, nem as pessoas, nem o movimento. Passeo como se fingisse não vê-lo, mas não consegui disfarçar.
Os olhos se cruzaram, e logo desviaram para não serem notados. Mas foram.
Percebi que me observava, em meio às tosses que pareciam cuspir a alma. Não se importava me tossir alto, em gritar que estava ali, era o seu jeito de se fazer notar.
Voltou a se deitar. E eu, procurando o coletivo que ja se demorava. Procurava sabendo que queria ficar ali mais um pouco. E aí, lembrei-me que guardava 2 pães na mochila ja estufada. Na hora de comprar, um a mais, que nunca havia comprado. Parecia que alguem sabia que ele iria saciar outras fomes. Pensei em oferece-lo. Não pela fome que parecia atordoa-lo, mas pela janela que se abriria para um encontro. Ensaiei. Me demorei. Peguei o saco. Mantive fechado, segurando o cheiro de massa fresca ali dentro.
Ele tossia. Deitara-se de novo. Após um respiro profundo, e olhos semiabertos para chegar mais perto, vozes altas cortaram o fluxo.
Dois homens chegaram falando alto, soltando fumaça pela boca. Falavam de trabalho e casa. Não pareciam companheiros da rua.
Não larguei o saco de pão. não larguei a ideia de compartilhar substancia de vida. Mas as pernas nao saíam do lugar. Os afetos circulavam no peito, fazia força pra sair, mas nao encontraram saída, nem criaram passagem. O letreiro iluminava meus olhos fracos pela imobilidade.
Cada vez mais. Cada vez mais perto. Levantei os braços. enquanto segurava a mala, o saco de pão, o cheiro, a palavra, o encontro, o fracasso por nao ter compartilhado nada além de incomodos e breves olhares.

às vezes a indiferença é intensidade disfarçada.

2 comentários:

  1. É o caos da cidade que passa correndo e as vezes um olhar que parece não dizer nada, pode significar o abraço que você precisava no dia!

    Lindo!

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  2. eu imagino isso.
    eu imagino vc vendo isso.
    não imagino como vc consegue ser tão fiel com vc mesma em relação às imagens..cenas..vidas que vc vê td dia nas ruas das cidades.
    beijo

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