quinta-feira, 23 de julho de 2009

bocas cheias de ser-cura

Horas por vezes passam em outra dimensão.
Entrar n'algum lugar que parece um portal ...onde os que lá vivem são cheios de dores, sofrimentos, ansias de respostas, misturados a outros que vestem o branco da paz, que refletem todas as cores...
De início assusta um pouco os rostos amargos que passam correndo, sendo levados, parados, despesperados para logo serem vistos.
De um lado essa nuvem carregada de multidao... do outro, um vazio....muitas cadeiras...um senhor de 70 anos cujo bom humor ainda prevalecia apesar da tosse insistente...um casal...que se abraçara encostando cabeça com cabeça, olhos fechados e um ar sereno de quem estara sendo amado e sustentado numa hora em que ninguém quer estar sozinho.
Chama-me o nome.
Entro na sala onde vivia um moço baixo, fisionomia de chileno e alguns pelos no rosto...
Viu-me, perguntou-me, parecia cansado pois era noite...sabe-se lá desde que horas ele estara ali morando naquela cadeira.
Mas com esforço, foi atencioso...ao menos me viu e escutou,o que para minha pessoa, já surpreendia um pouco vindo de alguem do condado dele!
Fui a outro bairro....onde estavam aqueles que mais precisavam de amparo, e estavam com os olhos cheios de esperança...e as bocas cheias de ser-cura.
Lá ficavam...cada um com sua dor calada...um de frente pro outro...reencontrei o senhor de 70 anos que ainda sorria...jovens cansados...mulheres nervosas...e uma, que escondia a lágrima que escorria debaixo das lentes que a fazia ver o mundo do seu jeito.
Logo, tirou as lentes da frente...e deixou as lagrimas escorrerem por si só pelo longo caminho do rosto...
Mais nomes sao chamados...Mais horas de espera que viram dias e anos para quem vive em outra dimensão.
Chamam o meu.
E novamente, visito uma estação de trem...onde subíamos num vagão pelo tempo que precisara ser a viagem...
Muitos daqueles que vestiam a cor que reflete todas, emanavam seus sorrisos e tiravam esse movimento de cada um que entrava naquele vagão.
Encostavam em nossos braços....nos davam um pouco de ar....em meio a uma cidade em que quase nao se respirava...
Faziam pingar no sertão da arte do cuidado! E com cada pingo desse, uma flor parecia nascer...mesmo que torta e desajeitada, transformando cada viajante em ser-tão...
Um ser-tão que carregara sim seus sofrimentos, mas que estava sendo cuidado e olhado por outro...tocado...ouvido.
Ah, como isso acalmava os olhares! Estavamos todos mais calmos e serenos...
Encontrei novamente o senhor de 70 anos que tinha pavor de agulha! Mas saltara esse obstaculo com muita elegancia naquela hora...e novamente a senhora que derramara suas lagrimas...
Era assim que ela conversava com o mundo. E assim, eu podia entendê-la e quem mais estivesse ali querendo saber do outro.
Alguns outros chegavam àquela cidade sendo levados diretamente pro isolamento. Não viram os pingos do sertão como eu vira acontecer...
Mas espero que no bairro deles, chova o suficiente para que flores nasçam! Para que o sertão mostre tua beleza e teus lugares criativos, cheios de organismos ainda não tão bem identificados e que chamo a cada um, hoje, de "ser-cura"....
As rachaduras do solo seco, fazem todo sentido...de fato criam possibilidades pois preparam o campo tornando-o fértil para quando chegarem os pingos... E cada momento desse, me lembro da importância de se demorar junto às coisas...


Há de chover.

Nada como uma noite no hospital vista com outros olhos....

2 comentários:

  1. nossa, amei o jeito que vc brinca com as palvras ...o jeito que as une para formar este belo texto.

    beijos

    http://norecreiozero.blogspot.com/

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